sábado, 10 de outubro de 2015

Tempos idos e vividos IV


Por Aluizio Moreira


Um ano e dois meses que passei servindo ao Exército, nas circunstâncias em que me vi envolvido com as invasões das Faculdades de Direito, Rural e Engenharia por tropas das Forças Armadas, me fizeram despertar para as questões politicas, relações entre as classes sociais, papel das forças armadas, embora ainda sem atentar para as relações entre esses elementos, a superestrutura e a infraestrutura da sociedade.

A minha preocupação inicial, antes deste “despertar”, detinha-se na questão do Universo e da Ciência. Lembro-me que na minha adolescência, sentados eu e minha irmã Sônia no terraço de nossa casa, olhando para o firmamento, indagávamos, observando a imensidão do espaço, como teria surgido o universo com toda sua complexidade. E aí passávamos horas levantando hipóteses quanto ao seu surgimento, e esbarrávamos sempre em duas questões: a procura sempre de um inicio, inicio esse ligado/dependente a uma ação/criação sempre externa ao fenômeno. Ou seja, as coisas surgem ou mudam, sempre promovidas unicamente pela atuação de forças externas. Não tinha ainda lido alguma coisa sobre dialética ou escutado falar em transformação das forças quantitativas em qualitativas, unidade e luta dos contrários, que ocorrem internamente num fenômeno, num objeto, fundamentais para a geração das mudanças que são eternas, sem esquecermos o papel importante, mas não decisório das forças externas nesse processo.

Comparando-se com os dias de hoje, em que os adolescentes têm acesso aos conhecimentos pelos teclados de um computador, em 1958/59, então com meus 16/17 anos, não tínhamos muitos canais de informação. Além das limitadas informações obtidas nos livros didáticos de Ciências (Física, Química e Biologia) e de História, adotados na escola, lembro-me que naquela época a Prefeitura do Recife mantinha um ônibus com uma Biblioteca no seu interior, que visitava alguns bairros da cidade quinzenalmente, permitindo que tirássemos empréstimos de livros, devolvendo-os na visita seguinte.

Afora esse ônibus-biblioteca, tínhamos a Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco que funcionava no prédio do Arquivo Público Estadual e o Gabinete Português de Leitura, situados na Rua do Imperador, além da Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, na praça  Adolfo Cirne, aberta ao público em geral. Foi nas visitas que fiz a essas Bibliotecas que travei contato pela primeira vez com “A origem das espécies” de Charles Darwin. 

Mas o executivo municipal não tinha só a preocupação de difundir a leitura. Num dos prédios da Av. Guararapes, a Prefeitura Municipal do Recife mantinha através do Departamento de Documentação e Cultura, um setor que oferecia ao público, o acesso às produções musicais “clássicas”, disponibilizando as composições de Tchaikovski, Chopin, Rimsky-Korsakov, Bach, Mozart, entre outros. Fazia eu os primeiros contatos com as “musicas clássicas” ou eruditas, como queiram chamá-las.

* * *

Tive baixa do serviço militar em fevereiro de 1962. Fui em busca de emprego através de uma agência, e semanas depois entregava minha Carteira Profissional na firma Agencia Nacional de Navegação, estabelecida na Rua do Bom Jesus, Bairro do Recife. 

Recebido meu primeiro salário, e no intervalo do almoço, fui até uma sapataria no mesmo bairro, quando encontrei com um amigo do ginásio que se empregara como vendedor de livros. Mostrou-me as obras do seu catálogo e ali mesmo adquiri uma coleção que tinha por título “Biblioteca Racionalista”, editada pela Editora portuguesa Lello & Irmãos. Desta coleção, faziam parte, entre outros, os seguintes autores:
Haeckel – O monismo; História da criação natural; Os enigmas do universo; Religião e evolução; Origem do homem.
Buchner – Força e matéria; O homem segundo a Ciência.
Renan – Os apóstolos; A vida de Jesus; Marco Aurélio e o fim do mundo antigo.
Darwin – Origem das espécies.

Essas obras foram a base de meu pensamento filosófico, antes de deter-me mais frequentemente nos estudos  sobre o materialismo dialético e histórico.

***

O ano que passei servindo ao Exército impossibilitou-me de frequentar o chamado Ensino Médio. Minha contratação como auxiliar de escritório na Agência Nacional de Navegação, me permitiu retornar aos estudos, matriculando-me no inicio de 1963 no Colegial Clássico do Colégio Carneiro Leão, na Rua do Hospício, bem em frente da Escola de Engenharia. 

Nos intervalos das aulas e/ou antes do seu inicio, comecei a participar de algumas discussões com outros colegas do Colégio sobre os problemas que afetavam o ensino secundário. As discussões perpassavam desde fatos diretamente ligados ao ensino enquanto alunos do Carneiro Leão, às questões do ensino secundário de uma maneira geral, aos abatimentos das passagens de ônibus e entradas em cinema e outras casas de espetáculos, além de questões ligadas à politica nacional. 

Chegamos à conclusão que o primeiro passo importante a ser dado, seria disputarmos com chapa própria, as eleições para o Diretório Estudantil do Colégio. Saímos vencedores. Indicaram-me para o cargo recém-criado de Secretario da Cultura, cuja primeira medida foi a instalação de um mural na entrada do Colégio que facilitasse a comunicação entre o Diretório e o corpo discente, inclusive como local de fixação de artigos, como de convocação de mobilizações dos estudantes.

Era o inicio de minha atuação politica. 

Fora do âmbito do Colégio, passei a frequentar, com alguns colegas do Carneiro Leão, de reuniões na rua da Palma, no centro, se não me falha a memória, no primeiro andar de uma loja comercial de pai de um dos colegas. Naquele local discutíamos a situação econômica e politica do país e do mundo capitalista. Evidentemente sem nos descuidarmos das lutas que aconteciam ou estava para acontecer no meio estudantil secundarista. Foram estas circunstâncias que me levaram às leituras de História Econômica do Brasil de Caio Prado Jr., História Sincera da República de Leôncio Basbaum, Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado, Princípios Elementares de Filosofia de Georges Politzer, Socialismo de Paul M. Seezy, Dez Dias que Abalaram o Mundo de John Reed.      
                                                             
***

Data dessa época em que estudava no Carneiro Leão, a criação de um poema que escrevi saudando entusiasticamente a Revolução cubana que se fez vitoriosa em 1959. Tinha eu então 17 anos, quando os revolucionários ocuparam Havana, 21 anos quando o escrevi.


Da esquerda para direita: Camilo Cienfuegos,
Fidel Castro e "Che" Guevara

AO POVO CUBANO REVOLUCIONARIO

               Aluizio Moreira

Quero ver as coisas novas
Um mundo novo recém-construído.
Falem homens livres
Da pátria libertada!
Falem fontes novas!
Falem rios novos!
Falem pedras novas!
Falem ventos novos!

Desperta criança
Que traz o peso da pátria nos ombros
E a fronte de homem
Voltada ao sol!

Acorda bandeira!
Acorda pena!
Cinzel!
Acorda campo!
Escola!
Acorda fabrica!
Acorda povo vestido de novo
Que quero ver teu rosto
Teus olhos novos
Tuas mãos
Teus lábios novos,
Em um mundo novo
Recém-construído!

(Recife, 1963)


Era inegável a influência da Revolução cubana sobre boa parcela da juventude brasileira da época. As fotos de Che Guevara, Fidel Castro e Camilo Cienfuegos não tinham ainda se transformado em silk screen para estampar camisetas e bonés. 

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2 comentários:

  1. Parabéns, amigo!
    Estou acompanhando "Tempos idos e vividos".Uma autobiografia?
    Izabel Santa Cruz

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    1. Querida e inesquecível amiga Izabel. Companheira, de tantas batalhas que participamos juntos, sempre na defesa da organização e dos direitos dos professores. É isso aí, amiga. São memórias
      que pretendem vincular minha trajetória politica e ideológica à riqueza politico-ideológica da década de 60 do século passado. Um beijo carinhoso um grande abraço.

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